Estamos numa fase de inquietação educativa, com milhares de professores e profissionais de educação a implorarem para serem ouvidos, naquelas que são algumas das queixas, já de longo termo. É evidente que sendo a Educação uma área estratégica de um país, esta tem de ser olhada com um forte investimento, ao invés da sistemática valorização dos seus custos, levando a uma degradação de todo o sistema educativo, e no futuro de outras áreas do próprio país.
O reconhecimento da sociedade, que nestas épocas mais audíveis, parece ser tão unânime, sobre o valor da Educação para o próprio desenvolvimento da sociedade, e do papel imprescindível de um professor, cai rapidamente no esquecimento, levando a que a atração pela própria profissão seja desaconselhada pelos próprios pais. Aliás, se as famílias, desejam bons professores para os seus filhos, poucas são as que desejam que os seus filhos sejam professores. Este é o primeiro sinal de falta de valor e reconhecimento. O outro acontece quando tantos surgem a construir opinião e palpites, na ebulição destas manifestações, sem que sejam sequer professores, resultando em fracas, pobres e turvas leituras sobre o que é, realmente, a Educação ou o papel de um professor. O papel da Escola é facilmente descaracterizado por uma sociedade que a única ligação que tem à Escola é, muitas das vezes, o tempo que passou na mesma enquanto aluno, ficando a sua imagem de Escola presa num tempo e num espaço, que associa o papel de um professor, exclusivamente, ao tempo letivo em que ocupa, apenas ocupando o tempo dos alunos. Esta valorização está novamente a ser realçada pela sociedade, através da ideia da recuperação de aprendizagens, gerada pelas greves, não percebendo, que a verdadeira perda já acontece em turmas sem condições materiais, enormes, em turmas sem professores pela ausência de atração pela profissão e a perda que virá no futuro se mantivermos o atual estado da Educação. Esta é uma demanda social e não apenas de uma classe profissional, que não é compreendida, pela falta de reconhecimento desse verdadeiro papel.
Deste modo, será muito fácil perceber, que a falta de professores está a levar a uma perda de qualidade, através de um processo de des-profissionalização, uma vez que caminhamos na contratação de outros profissionais que não docentes (de origem) ou de formação rápida de “docentes” que não substituirão os atuais pedagogos nessa mesma qualidade, deixando o sistema educativo órfão de um desenvolvimento profissional que levou anos a consolidar.
Deste momento, deveria resultar um pensamento alargado e sério de um memorando para um consenso político nacional para a Educação, na definição de linhas orientadoras e estratégicas para um prazo mínimo a 10 anos, que não se subjugasse a ciclos políticos. Estamos há mais de 22 anos no século XXI, reconhecido pela inovação digital, mas no mesmo tempo em que faltam infraestruturas e o mesmo digital, no mesmo tempo em que se flexibiliza o mesmo currículo, sem capacidade de desmistificar processos de aferição de aprendizagens eficazes e compreensíveis para todos, no mesmo tempo em que se fala de inclusão, excluindo cada vez mais recursos humanos que suportem esses mecanismos de apoio, no mesmo tempo de uma era digital cada vez com mais burocracia.
É fundamental definir-se um plano que se possa concretizar a curto, médio e longo prazo, com metas aceites e debatidas na comunidade educativa. Assim, algumas sugestões que servirão para alimentar o debate e solicitar o pensamento entre todos os que pretendem, de facto, uma melhor Escola, uma melhor profissão, atraente e valorizada. Assim, a redefinição ou, eventual fusão, entre o 1.º e o 2.º Ciclo do Ensino Básico, prolongando o primeiro ciclo por 6 anos, ao invés dos atuais 4 anos, mantendo uma vertente de monodocência, mas valorizando as diferentes áreas do saber com a atribuição e reforço dos processos de coadjuvação e pares pedagógicos.
A desburocratização do sistema educativo tem de ser uma prioridade, o tempo, que deveria ser pedagógico, é algo que não pode ser desperdiçado em tarefas administrativas exageradas e sem sentido na atualidade, já que as mesmas podem ser concretizadas por sistemas digitais automáticos ou por outros profissionais que não os especialistas pedagógicos (professores). É preciso garantir mais tempo para a sua ação pedagógica, reduzindo a carga de trabalho não letiva, reduzindo o número de reuniões e dezenas de horas em atividades extracurriculares.
A alteração do número de alunos por turma é muitas vezes esquecida, mas sabemos que um processo de aprendizagem eficaz só acontece com menos de 18 alunos por turma. Ainda nesta condição, é necessário reduzir drasticamente o número de turmas atribuídas a cada professor, torna-se impensável qualquer trabalho objetivo com, em muitos casos, mais de uma centena de alunos por disciplina, devendo esses professores completar horários com a dinamização de projetos ou clubes, aumentando a dimensão informal da Educação. No caso das turmas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, continua a ser absurda, nos dias de hoje, a manutenção de mais do que um nível de escolaridade em muitas turmas de escolas deste país, pois só levam a um esforço inglório destes professores e de exclusão de aprendizagens de alunos que ficam por si, sem apoio e desmotivados no processo de aprendizagem.
O reforço dos recursos humanos das escolas tem de ser efetivo e contínuo, não por cada ano letivo, mas a longo prazo, facilitando o planeamento de cada instituição, seja no número de professores, técnicos especializados e auxiliares da ação educativa. Neste campo, o reforço das unidades de apoios educativos e educação especial é outra componente inexistente, em muitos casos falamos de 1 hora por semana por aluno com necessidades de apoio, que não tem qualquer impacto. Torna-se, assim, fundamental o reforço efetivo de horas de apoio nas turmas, psicólogos e terapeutas educativos, podendo ser criada a figura do professor mentor, que ajuda na definição de intervenções prioritárias com alunos em estreita colaboração com a figura do diretor de turma.
Se por um lado muitas escolas redefiniram espaços e melhoraram as suas infraestruturas físicas, outras necessitam de evidente reestruturação. Porém, é ausência de condições de gestão de espaços, redefinição de layouts, condições da rede elétrica e condições digitais que urgem intervenção, se pretendemos continuar a falar de escolas do século XXI.
Discutir um modelo de progressão e avaliação dos alunos justo, só pode ser feito, se também os professores o tiverem, porque atualmente, é um processo de incoerência e injustiça atroz. Não podendo continuar afeto e refém de quotas de acessos aos outros escalões, também é verdade que não será propriamente justo, um sistema automático de progressão na carreira. Avaliar o mérito, tal como nos alunos, deve ser realizado olhando para a ética profissional, para a participação em projetos e na operacionalização de práticas pedagógicas inovadoras e inclusivas. A frequência em espaços de debate sobre Educação, formação superior e ou especializada contínua deverá ser premiada e não em formatos de obrigatoriedade.
Pensar os currículos através do desenvolvimento de planos personalizados de ação, com definição dos conceitos estruturantes de cada área disciplinar, sistematizado em competências de aprendizagem, que façam encurtar os currículos obesos e adequá-los a uma sociedade e vida quotidiana atualizada. Será essencial que os currículos criem experiências culturais e artísticas interligadas com literacia e numeracia, potenciando a ligação ao meio onde as escolas se inserem.
Se pretendemos ter os melhores professores, é também urgente reformular a formação inicial dos mesmos, reforçando a componentes científicas, pedagógicas e redimensionando as experiências em contexto de trabalho. A formação de professores deve assumir definitivamente a liderança dos processos pedagógicos, participando na seleção dos candidatos, ao invés de estar sistematicamente na cauda da inovação pedagógica e refém da seleção de futuros professores, feita por outros. Neste campo, será necessário oferecer apoio e orientação aos novos professores no início e ao longo da carreira, com o suporte dos professores que se encontram perto do final das suas. Estes deveriam ver reduzido o tempo letivo e o número de turmas, passando a preencher os seus horários numa estreita ligação ao acompanhamento de novos professores, garantindo uma transição e passagem de testemunho não tão abrupta e ao mesmo tempo envolver-se na novidade e energia que outros trazem ao sistema educativo.
É também evidente que os salários terão de ser muito mais competitivos, com uma remuneração atraente e condicente com a especificidade e maturidade da profissão. O apoio com recursos digitais, nomeadamente, hardware e software específico, materiais didáticos devem estar presentes para atrair e reter estes profissionais, mas também nos incentivos e suporte à deslocação, num processo que só pode culminar com o fim da precaridade profissional, que se alastra com muitos professores há tantos anos, levando-os a desistir de exercer.
Sendo claro que os professores ocupam um papel primordial no processo, de inevitável, transformação e liderança educativa, não podemos permitir que continuem a não ser ouvidos nas suas necessidades, numa sociedade democrática. São os professores que, diariamente, pensam e repensam as práticas e os processos de aprendizagem nas escolas, pelo que a sua valorização profissional é uma demanda. Para atrair novos professores e manter de forma estável e saudável os atuais, carece a promoção positiva, a recompensa social para voltar a inspirar e revalidar a nobreza da profissão de professor.
Marco Bento
Professor na Escola Superior de Educação de Coimbra / Investigador em Tecnologia Educativa na Universidade do Minho / Coordenador do Projeto SUPERTABi Maia / Consultor em Educação